segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Lenda da Lagoa do Cemitério



A lenda que será narrada a seguir é repleta de paixão, tragédia, mistérios e eventos sobrenaturais. 




Antigamente, onde hoje se encontra o Cemitério Municipal de Cruz Alta, existia um grande lago. Próximo a ele, morava uma das famílias mais importantes e nobres da época, cujo patriarca era respeitado e temido, pois, além de possuir poder e influência na cidade, era notoriamente conhecido como um homem rude, inflexível, autoritário e cruel. Sua filha era muito bonita, e estava sendo educada para se tornar uma autêntica dama e esposa exemplar. Porém, quis o destino que sua vida desse uma grande reviravolta, e ela acabou se apaixonando por um rapaz pobre e humilde, descendente de índios. O amor secreto dos dois logo produziu um fruto que se provou amargo: a moça ficou grávida.

                A jovem tentou esconder a gravidez tanto quanto foi possível, mas quando seu ventre se tornou evidente demais, a verdade acabou vindo à tona. Furioso, o pai trancafiou a filha dentro de casa para que ninguém testemunhasse sua desonra. Quanto ao rapaz, nunca mais foi visto. Foram meses terríveis para a moça, mas o pior ainda estava por vir. Assim que o bebê nasceu, seu pai, enfurecido e envergonhado pela humilhação que aquela criança representava ao nome da família, roubou o bebê de seus braços e o jogou na lagoa. 

                Após o assassinato do bebê, a lagoa se tornou mal-assombrada. Todos os moradores da região temiam o assustador Fantasma da Lagoa, cujos gritos e choro eram ouvidos nas horas mortas da noite.  Era perturbador e angustiante ouvir os lamentos do bebê, e todos nas redondezas sofriam com aquela assombração. Certo dia, eles se reuniram e foram falar com o padre da paróquia, solicitando que ele salvasse aquela alma atormentada, que morrera sem batismo.

                O pároco aceitou a incumbência. Na beira da Lagoa, à meia noite, invocou o espírito da criança e batizou-o. Na noite que se seguiu, nenhum grito ou choro foi ouvido. Os moradores da região ficaram muito gratos ao padre. No entanto, apesar de seu êxito, ele foi acusado, por bocas invejosas e maledicentes, de bruxaria e sacrilégio. Acabou preso pelo delegado de polícia, sendo colocado em uma cela fechada à sete chaves, sob o olhar atento de guardas armados.

                Na mesma noite em que o vigário havia sido preso, os gritos do Fantasma da Lagoa recomeçaram. Curioso, o delegado decidiu ir pessoalmente presenciar a assombração. Para seu terror, a aparição materializou-se em sua frente, exigindo-lhe que libertasse o padre. Assustado, o delegado voltou correndo à prisão disposto a cumprir a vontade do Fantasma, mas, para sua surpresa, o padre já estava em liberdade, caminhando tranquilamente sob as árvores do pátio da delegacia. 

                Foi a última vez que o Fantasma da Lagoa se lamentou, já que o padre que salvara sua alma estava livre. No entanto, uma maldição foi lançada ao povo da cidade: “Todo o filho de Cruz Alta, para prosperar e ficar famoso, deve deixar esta terra e seus pais e passar a viver em outras paragens”.

E assim perdura a maldição, até hoje.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lenda da Fundação


Conforme explicado no post anterior, comecemos nossa jornada através das lendas dessa cidade enigmática pelo princípio de tudo, a Lenda da Fundação de Cruz Alta. Boa viagem e até a próxima!


Essa história aconteceu por volta de 1630, na região onde mais tarde nasceria a cidade de Cruz Alta, um dos locais onde os jesuítas atuavam na catequisação dos índios guaranis. Esses missionários espanhóis também fundaram por ali diversas fazendas destinadas à criação de gado. João Rodrigues, administrador da Fazenda Conceição, era viúvo, e vivia com sua única filha, Jacy, a quem amava muito, e considerava seu maior tesouro.

Pai e filha eram muito unidos, e uma de suas atividades preferidas eram os passeios pelos campos, costeando as belas e misteriosas matas da região. Certo dia, na ocasião do aniversário de sete anos da menina, estavam os dois entretidos em uma dessas caminhadas, quando João Rodrigues ouve um canto de pássaro diferente de qualquer outro que já tivesse ouvido. Intrigado e maravilhado com o canto misterioso, começa a perseguir o som, que a todo o momento muda de direção, fazendo-o embrenhar-se na mata mais e mais. Passado muito tempo nessa perseguição infrutífera, percebe que se encontra longe do local onde deixara sua filha desprotegida. Sentindo-se culpado com o próprio desleixo, parte em sua procura com a arma em punho, receando que algum mal tivesse atingido a menina. Quando finalmente a encontra, seu coração dispara, e é tomado do mais terrível pânico: a menina está lado a lado com Aó, monstro horrível e feroz que assombra a região. Temeroso pela vida de sua única e preciosa filha aponta a arma para o monstro, mas a visão da pavorosa besta é tão aterrorizante que ele cai morto, fulminado por tamanho horror. 

Jacy, assustada e com fome depois de tantas horas longe de casa, começa a chorar. A temida fera inesperadamente deita-se no chão e oferece o leite de suas mamas para saciá-la. Anoitece, e a fera continua protegendo, aquecendo e alimentando a menina enquanto as horas de escuridão transcorrem.

No dia seguinte, empregados da Fazenda Conceição espalham-se à procura de João e sua filha. Um grupo finalmente os encontra, deparando-se com a cena fantástica: o pai inerte e sem vida, e a fera Aó amamentando a menina Jacy. Perplexos, todos exclamam: “Milagre de Jesus!”, e assentam no local uma grande cruz.

A fama do lugar se espalha, e cada vez mais pessoas fazem peregrinações para conhecer o local onde o milagre acontecera. Uma capela é construída, e com o tempo forma-se um povoado, cujos habitantes passam a ser conhecidos como “Povo da Igreja da Cruz Alta”.

O local onde foi plantada a cruz original permanece marcado até hoje.

domingo, 26 de agosto de 2012

Releituras


Os mais atentos já devem ter percebido que a cidade onde nasci, Cruz Alta, é um tema bastante frequente aqui no blog. É um lugar que exerce um certo fascínio sobre mim. Por vezes ela me parece um universo à parte, um microcosmo hermético e recheado de mistérios. Sua cultura, suas tradições, hábitos e habitantes (imortalizados nas páginas de O Tempo e o Vento, obra magistral de seu maior filho, o escritor Érico Veríssimo) são como as peças de um quebra-cabeça novelesco e surreal, cujo capítulo seguinte é uma grande incógnita.

Movida pelo poder das locomotivas e da política, palco de disputas de poder e batalhas sangrentas, foi grande, estratégico e influente município. Mas aparentemente Cruz Alta perdeu o trem da história e estagnou em alguma estação do passado. Motivo de tristeza para seus filhos. Para muitos ela é uma cidade amaldiçoada. Porquê?

Sendo originalmente terra habitada pelos índios guaranis, o nascimento da cidade remonta ao século XVII com a ocupação dos missionários espanhóis da Companhia de Jesus,os jesuítas. Bandeirantes, tropeiros, contrabandistas de fronteira, imigrantes europeus, líderes de estado e revolucionários, pisaram naquele chão. Por estes quase quatro séculos de história, a cidade possui uma bela coleção de lendas e histórias que podem fornecer pequenas pistas para a solução dos mistérios que rondam o lugar.

Entendendo as lendas como narrativas populares que, à semelhança do mito, têm a função de sustentar e explicar uma determinada cultura, minha proposta é fazer uma releitura dessas lendas de forma ilustrada, capturando alguns dos seus símbolos primordiais. Para tentar atingir este objetivo, tanto na pesquisa quanto na elaboração dos textos,conto com a inestimada colaboração da jungiana Juliane Gering.

Acompanhe o blog e faça parte dessa jornada.