quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Lenda da Panelinha












   Antes de existir a cidade de Cruz Alta, antes mesmo de existir homens brancos morando na região, esta terra era coberta por uma vegetação exuberante. As matas ocultavam riachos, rios, arroios e nascentes repletos de segredos e mistérios. Uma nascente, em especial, possuía propriedades mágicas. Os índios que habitavam esta terra conheciam-na, e sabiam do seu poder.

  Quando um guerreiro parte para uma batalha, sua companheira pouco pode fazer, além de elevar preces para que ele retorne são e salvo. Mas as mulheres da tribo desta região utilizavam-se da magia da fonte cristalina: elas ofereciam sua água aos guerreiros antes que eles partissem, e eles sempre retornavam. Assim, se uma índia fizesse seu amado beber da água encantada, seu regresso estava garantido, não importando o quão longe fosse.

  Com o passar do tempo, esta terra se tornou ponto de passagem nas rotas dos tropeiros, que levavam mercadorias do interior do Rio Grande do Sul até São Paulo. Eventualmente, alguns paravam para descansar, matar a sede, ou se refrescar nas sombras das árvores, mas eram pausas breves, e logo eles seguiam viagem. Então, aconteceu de uma jovem índia se apaixonar por um tropeiro. A moça sabia que ele precisava continuar sua jornada, mas seu coração encheu-se de sombras ao pensar que não tornaria a vê-lo. Ela conhecia o encanto da vertente, e decidiu lançar mão deste feitiço, oferecendo a água mágica para que ele bebesse. Ele partiu, mas retornou meses depois, disposto a ficar, casando-se com a jovem índia.

  Vários outros tropeiros seguiram seu exemplo, e logo formou-se um vilarejo. A vertente mágica passou a ser conhecida como Panelinha, e sua fama empalhou-se aos quatro ventos, pois muitos forasteiros e viajantes inesperadamente mudavam seus planos, fazendo desta terra sua nova morada. As mulheres, que herdavam de suas antepassadas o conhecimento da magia das águas da Panelinha, continuavam dando de beber aos rapazes que eram alvos de seus afetos, e ensinando suas filhas a fazê-lo. O vilarejo cresceu, transformando-se na cidade de Cruz Alta, que por muitos anos foi um pólo cultural, político, econômico na região sul do país.

  Nos dias de hoje, ainda perdura a crença: “quem bebe da água da Panelinha, sempre retorna”, e é ela a explicação para o fascínio que Cruz Alta provoca nos forasteiros, semeando em seus corações a vontade de ficar, bem como a nostalgia e saudade que aflige os filhos desta terra, quando eles partem em busca de outras paragens.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Lenda da Lagoa do Cemitério



A lenda que será narrada a seguir é repleta de paixão, tragédia, mistérios e eventos sobrenaturais. 




Antigamente, onde hoje se encontra o Cemitério Municipal de Cruz Alta, existia um grande lago. Próximo a ele, morava uma das famílias mais importantes e nobres da época, cujo patriarca era respeitado e temido, pois, além de possuir poder e influência na cidade, era notoriamente conhecido como um homem rude, inflexível, autoritário e cruel. Sua filha era muito bonita, e estava sendo educada para se tornar uma autêntica dama e esposa exemplar. Porém, quis o destino que sua vida desse uma grande reviravolta, e ela acabou se apaixonando por um rapaz pobre e humilde, descendente de índios. O amor secreto dos dois logo produziu um fruto que se provou amargo: a moça ficou grávida.

                A jovem tentou esconder a gravidez tanto quanto foi possível, mas quando seu ventre se tornou evidente demais, a verdade acabou vindo à tona. Furioso, o pai trancafiou a filha dentro de casa para que ninguém testemunhasse sua desonra. Quanto ao rapaz, nunca mais foi visto. Foram meses terríveis para a moça, mas o pior ainda estava por vir. Assim que o bebê nasceu, seu pai, enfurecido e envergonhado pela humilhação que aquela criança representava ao nome da família, roubou o bebê de seus braços e o jogou na lagoa. 

                Após o assassinato do bebê, a lagoa se tornou mal-assombrada. Todos os moradores da região temiam o assustador Fantasma da Lagoa, cujos gritos e choro eram ouvidos nas horas mortas da noite.  Era perturbador e angustiante ouvir os lamentos do bebê, e todos nas redondezas sofriam com aquela assombração. Certo dia, eles se reuniram e foram falar com o padre da paróquia, solicitando que ele salvasse aquela alma atormentada, que morrera sem batismo.

                O pároco aceitou a incumbência. Na beira da Lagoa, à meia noite, invocou o espírito da criança e batizou-o. Na noite que se seguiu, nenhum grito ou choro foi ouvido. Os moradores da região ficaram muito gratos ao padre. No entanto, apesar de seu êxito, ele foi acusado, por bocas invejosas e maledicentes, de bruxaria e sacrilégio. Acabou preso pelo delegado de polícia, sendo colocado em uma cela fechada à sete chaves, sob o olhar atento de guardas armados.

                Na mesma noite em que o vigário havia sido preso, os gritos do Fantasma da Lagoa recomeçaram. Curioso, o delegado decidiu ir pessoalmente presenciar a assombração. Para seu terror, a aparição materializou-se em sua frente, exigindo-lhe que libertasse o padre. Assustado, o delegado voltou correndo à prisão disposto a cumprir a vontade do Fantasma, mas, para sua surpresa, o padre já estava em liberdade, caminhando tranquilamente sob as árvores do pátio da delegacia. 

                Foi a última vez que o Fantasma da Lagoa se lamentou, já que o padre que salvara sua alma estava livre. No entanto, uma maldição foi lançada ao povo da cidade: “Todo o filho de Cruz Alta, para prosperar e ficar famoso, deve deixar esta terra e seus pais e passar a viver em outras paragens”.

E assim perdura a maldição, até hoje.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lenda da Fundação


Conforme explicado no post anterior, comecemos nossa jornada através das lendas dessa cidade enigmática pelo princípio de tudo, a Lenda da Fundação de Cruz Alta. Boa viagem e até a próxima!


Essa história aconteceu por volta de 1630, na região onde mais tarde nasceria a cidade de Cruz Alta, um dos locais onde os jesuítas atuavam na catequisação dos índios guaranis. Esses missionários espanhóis também fundaram por ali diversas fazendas destinadas à criação de gado. João Rodrigues, administrador da Fazenda Conceição, era viúvo, e vivia com sua única filha, Jacy, a quem amava muito, e considerava seu maior tesouro.

Pai e filha eram muito unidos, e uma de suas atividades preferidas eram os passeios pelos campos, costeando as belas e misteriosas matas da região. Certo dia, na ocasião do aniversário de sete anos da menina, estavam os dois entretidos em uma dessas caminhadas, quando João Rodrigues ouve um canto de pássaro diferente de qualquer outro que já tivesse ouvido. Intrigado e maravilhado com o canto misterioso, começa a perseguir o som, que a todo o momento muda de direção, fazendo-o embrenhar-se na mata mais e mais. Passado muito tempo nessa perseguição infrutífera, percebe que se encontra longe do local onde deixara sua filha desprotegida. Sentindo-se culpado com o próprio desleixo, parte em sua procura com a arma em punho, receando que algum mal tivesse atingido a menina. Quando finalmente a encontra, seu coração dispara, e é tomado do mais terrível pânico: a menina está lado a lado com Aó, monstro horrível e feroz que assombra a região. Temeroso pela vida de sua única e preciosa filha aponta a arma para o monstro, mas a visão da pavorosa besta é tão aterrorizante que ele cai morto, fulminado por tamanho horror. 

Jacy, assustada e com fome depois de tantas horas longe de casa, começa a chorar. A temida fera inesperadamente deita-se no chão e oferece o leite de suas mamas para saciá-la. Anoitece, e a fera continua protegendo, aquecendo e alimentando a menina enquanto as horas de escuridão transcorrem.

No dia seguinte, empregados da Fazenda Conceição espalham-se à procura de João e sua filha. Um grupo finalmente os encontra, deparando-se com a cena fantástica: o pai inerte e sem vida, e a fera Aó amamentando a menina Jacy. Perplexos, todos exclamam: “Milagre de Jesus!”, e assentam no local uma grande cruz.

A fama do lugar se espalha, e cada vez mais pessoas fazem peregrinações para conhecer o local onde o milagre acontecera. Uma capela é construída, e com o tempo forma-se um povoado, cujos habitantes passam a ser conhecidos como “Povo da Igreja da Cruz Alta”.

O local onde foi plantada a cruz original permanece marcado até hoje.